quinta-feira, 19 de julho de 2012

GREVE DAS UNIVERSIDADE PÚBLICAS


De todos os editoriais, opiniões, cartas, ou quaisquer manifestações de pensamento que vi, ouvi e li sobre a greve dos professores das Universidades Federais, a clareza e lucidez do texto de Frei Betto me levou a uma reflexão que compartilho com os leitores.
 
O conflito, até agora insolúvel, nos leva a seguinte questão: quanto nós, sociedade, acreditamos que devemos investir do valor arrecadado pelos impostos (dinheiro público) com educação? Essa nos parece ser a questão central que deve ser respondida pela sociedade. Se queremos uma sociedade mais igualitária, temos que melhorar a qualidade da nossa educação. Pergunto aos caros leitores: Desejamos que nossos filhos estudem? Queremos que eles estudem em escola de qualidade? Queremos que eles tenham professores qualificados, dedicados e comprometidos com seu ofício? Queremos que nossos filhos tenham uma estrutura de ensino adequada às necessidades de sua formação?

Para além da tecnicidade financeiro-orçamentária dos funcionários do Governo e para além dos interesses pessoais ou de classe dos Professores, temos que responder, para nós mesmos, se a educação é fundamental para nossa sociedade. Se a resposta for afirmativa, o caminho é a valorização da carreira dos professores e da estrutura de ensino para que as Universidades possam oferecer uma formação de qualidade aos nossos alunos. Com Paulo Freire: "se a educação sozinha não transforma a sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda." Abaixo, o texto do Frei Betto:


Greve das universidades públicas

Eis que esbarro no aeroporto com um amigo, alto funcionário do governo federal. Fomos colegas de Planalto nos idos de 2004. Fui direto ao ponto: – E quando o governo acabará com a greve dos professores das universidades públicas, que já dura mais de 60 dias? Ela paralisa 57 das 59 universidades federais e 34 dos 38 institutos federais de educação tecnológica. São 143 mil profissionais de ensino de braços cruzados.
– O governo? – reagiu surpreso. Eles é que decidiram parar de trabalhar. Já é hora de descruzarem os braços e aceitar nossa proposta apresentada na sexta-feira, 13 de julho. A partir do ano que vem, um professor titular com dedicação exclusiva poderá ter aumento de 45,1%.
Sexta-feira 13 não é um bom dia para negociar... Sei que o PT tem tido sorte com o 13. Mas, pelo que me disseram professores, a proposta do governo está aquém do que eles querem. E só favorece os professores que atingiram o topo da carreira, e não os iniciantes. Como é possível um professor adjunto, com doutorado, ganhar R$ 4,3 mil, e um policial rodoviário com nível superior R$ 5.782,11?
– O que pedem é acima do razoável. E se a greve prosseguir, nem por isso o país para.
– Você parece esquecer que o PT só chegou à Presidência da República porque o movimento grevista do ABC, liderado por Lula, encarou a ditadura, desmascarou as fraudes dos índices econômicos emitidos pelo ministério de Delfim Netto e exigiu reposição salarial.
O amigo me interrompeu: –Aquilo foi diferente. Máquinas paradas atrasam o país.
– Este o erro do governo, meu caro. Não avaliar que escola fechada atrasa muito mais. Quem criará as máquinas ou, se quiser, trará ao país inovação tecnológica se os universitários não têm aulas? Quem estanca a fuga de cérebros do Brasil, com tantos cientistas, como Marcelo Gleiser, preferindo as condições de trabalho no exterior? A maior burrice do governo é não investir na inteligência. Já comparou o orçamento do Ministério da Cultura com os demais? É quase uma esmola. Como está difícil convencer o Planalto de que o Brasil só terá futuro se investir ao menos 10% do Produto Interno Bruto (PIB) na educação.
Meu amigo tentou justificar: – Mas o governo tem que controlar seus gastos. Se ceder aos professores, o rombo nas contas públicas será ainda maior.
– Como pode um professor universitário ganhar o mesmo que um encanador da Câmara Municipal de São Paulo? Um encanador, lotado no Departamento de Zeladoria daquela casa legislativa, ganha R$ 11 mil. Um professor universitário com dedicação exclusiva ganha R$ 11,8 mil. Agora o governo promete que, em três anos, ele terá salário de R$ 17,1 mil.
– O governo vai mudar o plano de carreira. Professores passarão a ganhar mais em menos tempo de trabalho.
– Ora, não me venha com falácias. Quando se trata do fundamental – saúde, educação, saneamento – o governo nunca tem recursos suficientes. Mas sobram fortunas para o Brasil sediar eventos esportivos internacionais protegidos por leis especiais e comprar jatos de combate para um país que já deveria estar desmilitarizado.
– Você não acha que é uma honra o Brasil sediar a Olimpíada e a Copa do Mundo? Não é importante atualizar os equipamentos de nossa defesa bélica?
– Esses eventos esportivos estarão abertos ao nosso povo, ou apenas aos turistas e cambistas? E quanto à defesa bélica, há tempos o Brasil deveria ter adotado a postura de neutralidade da Suíça e abolir suas Forças Armadas, como fez a Costa Rica, em 1949. Quem nos ameaça senão nós mesmos ao não promover a reforma agrária para reduzir a desigualdade social e manter a saúde e a educação sucateadas?
Meu amigo, ao se despedir, admitiu em voz baixa: – O problema, companheiro, é que, por estar no governo, não posso criticá-lo. Mas você tem boa dose de razão.
 Frei Betto, Jornal Estado de Minas, Caderno Opinião, 17/07/2012

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