De todos os editoriais, opiniões, cartas, ou
quaisquer manifestações de pensamento que vi, ouvi e li sobre a greve dos
professores das Universidades Federais, a clareza e lucidez do texto de Frei
Betto me levou a uma reflexão que compartilho com os leitores.
O conflito, até agora insolúvel, nos leva a seguinte questão: quanto nós, sociedade,
acreditamos que devemos investir do valor arrecadado pelos impostos (dinheiro
público) com educação? Essa nos parece ser a questão central que deve ser
respondida pela sociedade. Se queremos uma sociedade mais igualitária, temos que melhorar a qualidade da nossa educação. Pergunto aos caros leitores: Desejamos que nossos
filhos estudem? Queremos que eles estudem em escola de qualidade? Queremos que
eles tenham professores qualificados, dedicados e comprometidos com seu ofício?
Queremos que nossos filhos tenham uma estrutura de ensino adequada às
necessidades de sua formação?
Para além da tecnicidade financeiro-orçamentária
dos funcionários do Governo e para além dos interesses pessoais ou de classe dos
Professores, temos que responder, para nós mesmos, se a educação é
fundamental para nossa sociedade. Se a resposta for afirmativa, o caminho é a valorização
da carreira dos professores e da estrutura de ensino para que as Universidades possam oferecer uma
formação de qualidade aos nossos alunos. Com Paulo Freire: "se a educação sozinha não transforma a sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda." Abaixo, o texto do Frei Betto:
Greve
das universidades públicas
Eis que esbarro no aeroporto com um amigo,
alto funcionário do governo federal. Fomos colegas de Planalto nos idos de
2004. Fui direto ao ponto: – E quando o governo acabará com a greve dos
professores das universidades públicas, que já dura mais de 60 dias? Ela
paralisa 57 das 59 universidades federais e 34 dos 38 institutos federais de
educação tecnológica. São 143 mil profissionais de ensino de braços cruzados.
– O governo? – reagiu surpreso. Eles é que
decidiram parar de trabalhar. Já é hora de descruzarem os braços e aceitar
nossa proposta apresentada na sexta-feira, 13 de julho. A partir do ano que
vem, um professor titular com dedicação exclusiva poderá ter aumento de 45,1%.
Sexta-feira 13 não é um bom dia para
negociar... Sei que o PT tem tido sorte com o 13. Mas, pelo que me disseram
professores, a proposta do governo está aquém do que eles querem. E só favorece
os professores que atingiram o topo da carreira, e não os iniciantes. Como é
possível um professor adjunto, com doutorado, ganhar R$ 4,3 mil, e um policial
rodoviário com nível superior R$ 5.782,11?
– O que pedem é acima do razoável. E se a
greve prosseguir, nem por isso o país para.
– Você parece esquecer que o PT só chegou à
Presidência da República porque o movimento grevista do ABC, liderado por Lula,
encarou a ditadura, desmascarou as fraudes dos índices econômicos emitidos pelo
ministério de Delfim Netto e exigiu reposição salarial.
O amigo me interrompeu: –Aquilo foi
diferente. Máquinas paradas atrasam o país.
– Este o erro do governo, meu caro. Não
avaliar que escola fechada atrasa muito mais. Quem criará as máquinas ou, se
quiser, trará ao país inovação tecnológica se os universitários não têm aulas?
Quem estanca a fuga de cérebros do Brasil, com tantos cientistas, como Marcelo
Gleiser, preferindo as condições de trabalho no exterior? A maior burrice do
governo é não investir na inteligência. Já comparou o orçamento do Ministério
da Cultura com os demais? É quase uma esmola. Como está difícil convencer o
Planalto de que o Brasil só terá futuro se investir ao menos 10% do Produto
Interno Bruto (PIB) na educação.
Meu amigo tentou justificar: – Mas o governo
tem que controlar seus gastos. Se ceder aos professores, o rombo nas contas
públicas será ainda maior.
– Como pode um professor universitário ganhar
o mesmo que um encanador da Câmara Municipal de São Paulo? Um encanador, lotado
no Departamento de Zeladoria daquela casa legislativa, ganha R$ 11 mil. Um
professor universitário com dedicação exclusiva ganha R$ 11,8 mil. Agora o governo
promete que, em três anos, ele terá salário de R$ 17,1 mil.
– O governo vai mudar o plano de carreira.
Professores passarão a ganhar mais em menos tempo de trabalho.
– Ora, não me venha com falácias. Quando se
trata do fundamental – saúde, educação, saneamento – o governo nunca tem
recursos suficientes. Mas sobram fortunas para o Brasil sediar eventos
esportivos internacionais protegidos por leis especiais e comprar jatos de
combate para um país que já deveria estar desmilitarizado.
– Você não acha que é uma honra o Brasil
sediar a Olimpíada e a Copa do Mundo? Não é importante atualizar os
equipamentos de nossa defesa bélica?
– Esses eventos esportivos estarão abertos ao
nosso povo, ou apenas aos turistas e cambistas? E quanto à defesa bélica, há tempos
o Brasil deveria ter adotado a postura de neutralidade da Suíça e abolir suas
Forças Armadas, como fez a Costa Rica, em 1949. Quem nos ameaça senão nós
mesmos ao não promover a reforma agrária para reduzir a desigualdade social e
manter a saúde e a educação sucateadas?
Meu amigo, ao se despedir, admitiu em voz
baixa: – O problema, companheiro, é que, por estar no governo, não posso
criticá-lo. Mas você tem boa dose de razão.
Frei Betto, Jornal Estado de Minas, Caderno Opinião, 17/07/2012
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