domingo, 29 de abril de 2012

Cotas nas universidades: uma questão de mérito.

Nos dias 25 e 26 de abril de 2012 o STF julgou a ADPF n. 186, proposta pelo Partido dos Democratas - DEM, cujo objeto é a arguição de descumprimento de preceito fundamental no tocante ao estabelecimento de políticas afirmativas [na modalidade de cotas para negros e índios] na Universidade de Brasília - UNB.
Como ensinado por José Murilo de Carvalho a política de cotas é uma das modalidades de ação afirmativa. Portanto, o estabelecimento de cotas para negros e índios nas Universidades Públicas é uma das formas [instrumento] de inserir determinadas minorias históricas no sistema de ensino superior.
Um dos argumentos enfrentados pelo Tribunal, e por todos aqueles que se debruçam sobre o tema, é que a reserva de cotas violam o mérito dos estudantes que enfrentam o concurso público conhecido como vestibular. A princípio, tal argumentação é convincente porque nos conduz ao princípio da isonomia (art. 5º da Constituição da República) que garante aos cidadãos um tratamento igual pelos Poderes Públicos. Vivendo numa sociedade marcada pela competividade e pela lógica de mercado, onde reina a ideia de meritocracia, naturalizamos o vestibular como sendo a [única] forma isonômica de seleção dos estudantes que serão formados pela Universidade Pública. Quem obtiver a melhor nota numa prova de conhecimento demonstrará maior preparo e ingressará na Universidade.
Contudo, há uma questão anterior que deve ser verificada a respeito desse forte argumento: o que é mérito? Sem responder a essa questão o argumento meritocrático fica prejudicado. Pensemos no caso de algumas universidades norteamericanas que, dentre outros, utilizam como critério de seleção a aptidão física para a prática de esportes. Isso é mérito? O que vale mais: o conhecimento teórico demonstrado numa prova ou a aptição prática para jogar basquete? Esmiucemos o exemplo: o vestibular deve ser feito somente por prova de múltipla escolha ou por prova discursiva? Ou, talvez, seja possível e até desejável inserir prova oral perante uma banca examinadora? Enfim, as questões aqui apresentadas possuem o objetivo de sublinhar que a idea de mérito está condicionada a uma escolha anteriormente feita por alguém, no caso, pela administração das Universidades. A decisão de como selecionar os alunos é uma decisão tomada sem qualquer possibilidade de consulta aos maiores interessados: os candidatos. Logo, os candidatos não opinam [escolhem] sobre o critério de seleção não ajudando na formação da ideia de mérito pelo qual estão sendo avaliados. Isso é objetivo? Isso é justo?
Em seu voto o Ministro Marco Aurélio disse que "A meritocracia sem igualdade de pontos de partida é apenas uma forma velada de aristocracia". A assertiva do Ministro é pertinente na medida em que conjuga a reflexão do mérito com a importante questão jurídica da igualdade.
A decisão do STF, tomada por 10 votos favoráveis, não esgota o debate. No marco do constitucionalismo democrático a abertura ao debate é constante. A provisoriedade dos consensos é a nota essencial que permite a reflexão das razões pelas quais as Instituições adotam certas decisões ou políticas públicas.
A decisão do STF é um convite à reflexão sobre a responsabilidade coletiva (SANDEL, 2011) da nossa sociedade para o cumprimento do ditame constitucional de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CR/88).
Nessa perspectiva há vários outros argumentos que devem ser analisados, como, por exemplo, a diversidade universitária como reflexo da diversidade cultural. O debate continua.

Veja a íntegra do voto, ainda em elaboração, do Relator Ministro Ricardo Lewandowski:

REFERÊNCIAS:
CARVALHO; José Murilo de. Ação afirmativa sim, cotas não. In: http://www.ppghis.ifcs.ufrj.br/media/carvalho_acao_afirmativa.pdf
DWORKIN, Ronald. A virtude soberana. A teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996.
RAWLS, John. A Theory of Justice. Cambridge, Harvard University Press, 1999.
SANDEL, Michael. Justiça. O que é fazer a coisa certa? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

2 comentários:

  1. Prezado prof. Bruno Camilloto, gostaria de parabenizá-lo pelo blog e desejar que a sua odisseia virtual possa proporcionar a você e a nos, seus leitores, um prazer mútuo. Preconizando a valorização da busca constante pelo conhecimento.
    "Não há nada que dominemos inteiramente a não ser os nossos pensamentos." (René Descartes)
    "As grandes coisas são obtidas à custa de grandes perigos." (Heródoto)

    Sucesso!!!

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